terça-feira, 22 de dezembro de 2009

A União faz memória

Muito antes da internet existir, antes de os programas de culinária serem tão interativos, antes mesmo de o açúcar de tornar um ingrediente abominável na dieta das pessoas saudáveis e esbeltas, uma rede de donas-de-casa disseminava receitas gostosas e engordativas.
Elas trocavam segredinhos de forno e fogão entremuros, ensacando as compras em cartuchos de papel pardo no supermercado. Davam dicas, mas não entregavam o ouro, afinal, descobrir a quantidade exata e maneira correta de misturar e levar ao fogo os ingredentes poderia significar ter sua receita eleita. Eleita para figurar nas páginas de um livro, ao lado de outras delícias, talvez fotografada em um cenário cuidadosamente preparado para, em um segundo, transportar o leitor para um chá na casa da avó, da tia ou da vizinha-boleira-de-mão-cheia. Pode ser chá, café ou conhaque, a bebida não importa muito, desde que servida numa xícara ou cálice de desing que não deixa dúvida: os anos eram os 70 e 80.
À cata de uma receita gostosa e não muito difícil para a ceia de Natal, fui buscar inspiração nos livros de receita União que a minha mãe guarda. Encontrei o "Chiffon do Coração" num livro que foi presenteado a minha mãe em 1975, por uma amiga já falecida. Eu simplesmente adoro folhear esse livros e me demorar na fotografias e no cheiro das páginas. São bolos, tortas, mousses, rosquinhas, toda sorte de doces servidos em travessas, adornados com guardanapos, açucareiros e espátulas cujos arabescos não deixam dúvidas da época.
Cada receita vem acompanhada do nome de quem a enviou com endereço. O "Chiffon do Coração" é atribuído à dona Rosina Aquino, da cidade de Lorena-SP. Ah, os tempos eram outros! Tenho minhas dúvidas se, nos atuais tempos bicudos as donas-de-casa deixariam seus nomes com endereço completo serem publicados num compêndio de receitas. O risco é, dias depois da publicação, a dona-de-casa começar a receber malas-direta com propaganda de utensílios de cozinha. É daí para pior. Algum golpista poderia tentar passar alguma lorota por telefone, usando como mote a tal da receita.
É um prazer extra ver a autoria das receitas. Descobri que as moradoras de Cornélio Procópio-PR eram assíduas colaboradoras dos livros de receita da União. Aliás, há uma receita que foi enviada por uma moradora da rua Professor João Cândido, em Londrina, por onde tantas e tantas vezes passei nos últimos nove anos. "Torta de Castanha do Pará" é a obra da dona Elizete O. Nascimento, que via a João Cândido do sexto andar. Na época da edição do livro, duvido que minha mãe soubesse que existia um lugar chamado Cornélio Procópio e, garanto, não imaginava que iria se afeiçoar tanto a Londrina.
Qual seria a utilidade de divulgar o endereço da doceira? Dar mais credibilidade e autenticidade na hora de uma amiga fazer inveja para outra, exibindo como troféu sua receita impressa e devidamente creditada? Ou permitir que as cozinheiras se visitassem, levando e trazendo segredos de forno? Acho improvável a segunda hipótese. Penso que o que deveria rolar, na verdade, era a troca de receitas pelo correio. Uma dona-de-casa de Tubarão-SC enviando receitas que ficaram fora do livro para uma colega sem rosto de Itu-SP, que escreve relatando que adorou a receita publicada e gostaria de receber outras por que seu marido provou e elogiou aquela.
Gosto tanto desses livros porque me falam de uma época em que a vida era mais simples, em que havia tempo para a mulher burilar seus talentos na cozinha. Um tempo em que havia gente suficiente nos lares para provar e dar palpites no resultado. Um tempo em que cortar o açúcar era apenas para os diabéticos.
A cada página uma pérola sobre os benefícios do açúcar. Tipo essa:
"Açúcar é energia, é o 'carvão dos músculos', na sábia expressão de Claude Bernard. Criança convenientemente suprida de açúcar é criança saudável, corada, bem disposta."
Sempre puxando a brasa para a sardinha da UNIÃO:
"Cuidado ao preparar a mamadeira do seu filhinho! Use somente açúcar UNIÃO, puríssimo, refinado a mais de 120 graus."
Pra mim, é quase como rever um álbum de fotos de uma época que deixou saudades.
***
Chiffon do Coração nada mais é que uma mousse de chocolate meio amargo.
Vamos ver se consigo executar a prescrição de dona Rosina.

domingo, 6 de dezembro de 2009

atchim

Estou com um daqueles resfriados liquefeitos. É só eu beber um copo de água que a coriza começa, bem chatinha. Enquanto estou com dor de cabeça e no corpo, o sol brilha e as pessoas mergulham no Oceano Atlântico.
Daqui de casa ouço os urros que vêm do Maracanã. Daqui a pouco o jogo começa. Acho bonito, e até gostaria de ter ido ao estádio, mas não compartilho.
Talvez um certo descompasso momentâneo, um delay, com a Cidade Maravilhosa.