segunda-feira, 22 de novembro de 2010

domingo, 3 de outubro de 2010

"Viver ao teu lado é um tormento"

Algum dia da semana passada foi dia da secretária.

As duas do andar em que trabalho, senhoras na casa dos 50, foram parabenizadas com um lanchinho e flores dadas pelos respectivos chefes.
Enquanto os dois buquês de rosas vermelhas aguardavam a vez de serem entregues, tinham a companhia de uma cesta de café da manhã (acompanhada de um vaso de kalanchoe alaranjadas) e de um vaso de lírios brancos.
Chegaram até a copa por engano. O destinatário era uma mulher que, para fins de narração, será chamada de Misses Lane. A referida dama não foi encontrada, não havia ninguém com aquele nome no prédio, destinatário desconhecido.

No dia seguinte, motivadas pela curiosidade (mas usando a necessidade de dar destino às plantas como pretexto) as duas secretárias que haviam sido homenageadas na véspera violaram o cartão.

Um caligrafia feminina e arredondada dizia que sua vida havia mudado depois que Misses Lane havia entrado em cena, e que esperava que, um dia, pudessem estar a dois. No verso do cartão, a sentença: "Viver ao teu lado é um tormento".

Mil conjecturas mobilizaram os colegas. Em todas a hipóteses, a certeza de se tratar de um amor proibido. E nada de Misses Lane dar o ar da grça e acabar com o mistério.

Faltando uns dez minutos para o fim do expediente, ela aparece: uma moça de uns 35 anos, leve sobrepeso, cabelos e olhos pretos, rosto redondo. É contratada de um empresa terceirizada de limpeza e trabalha no prédio ao lado.

Eu não dei conta e ficar e ver a reação ao ler o cartão - àquela altura, já violado e lido.

Depois me contaram que ela disse que era casada e que o galanteador devia ser um vizinho. "Um garoto", ela disse.

Não colou. Uma das secretárias cinquentonas tem certeza de que o apaixonado é o chefe de Misses Lane.
Encontrei-a em seguida e não resisti. Perguntei: sendo casada, como ela entraria com a cesta em casa? Uma colega da terceirizada se prontificou a dividir a cesta com as outras colega.
Fica a dúvida: quem é o atormentado?

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Personagens da Glória

Ela se chama Kátia, mas podia ser Macabéa.
Cabelo curto tonhonhóin bem miudinho, brincos de arame em forma de coração. Discreta, só conversa com as clientes quando é solicitada. Em silêncio, se concentra nas cutículas e cantinhos mais difíceis e faz uma tromba enquanto trabalha.
Não é mau humor, me parece, é o mais puro estado de alienação do universo ao seu redor.


Já a flagrei esquadrinhando as clientes, nos momentos de folga entre um pé e uma mão.
Com os ombros levemente arqueados, faz o mesmo muxoxo de quando está operando o alicate. E espreita.
Observa e demonstra analisar com a mesma meticulosidade que dedica às unhas e membranas os gestos, expressões e narrativas de seu público.
É fato: a Macabéa postiça presta muito mais atenção na fala de outras clientes do que na de suas.

Não é bonita e nem feia. Não parece alegre e nem triste. E nem é engraçada.
Tenho a impressão de que ela é muito tímida.

Macabéa trabalha no salãozinho da rua debaixo de casa. Só tive a oportunidade de ser atendida por ela duas vezes - é a mais requisitada do salão.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A vida é trânsito II

Este blog existe desde 2007 e, ano a ano, escrevo cada vez menos posts.
Não é uma marca nada lisonjeira.

O nome "A vida é trânsito" surgiu de uma conversa com uma amiga na qual concluímos: a vida é trânsito. Hoje entendo que a vida é trânsito, é encontro, é desencontro, é um amontoado de gente tentando ser feliz.
Ninguém é feliz sozinho. Nas minhas mudanças de lar mais recentes - foram três cidades e quatro lares em menos de um ano - tive muitos momentos daqueles em que você, de repente, se vê em meio a um bando de gente semi-conhecida. É uma dureza. Ainda bem que entre os semi-conhecidos surgiram alguns amigos. Não são muitos, mas são amigos, e isso é o que importa.

Outro dia eu vi uma entrevista com o ator e roteirista argentino Ricardo Darín. A repórter, já no fim da entrevista, perguntava a respeito do casamento dele. Darín é casado há mais de 20 anos, separou-se e voltou para a mesma mulher. Percebi uma certa emoçãozinha típica das pessoas que se sentem agraciadas pela vida ao falar dela. Ele disse:

-"É ela quem, há 20 anos, faz com que as coisas pareçam estar sobre os trilhos".

Puxa vida, essa frase me soou tão bem!
"Estar sobre os trilhos" me dá a ideia de uma direção certeira, um rumo.
Um trânsito que sabe onde vai.
(Vejam: ele falou "pareçam estar". Pé no chão, o hermano.)

Explicado o nome do blog, vamos ao porquê do blog.

Sempre gostei de ler. Sempre gostei de escrever.
Penso que me explico melhor escrevendo do que falando.
E queria escrever sobre as coisas que gosto: observações da ordem da subjetividade muito pouco relevantes para o progresso da humanidade.

Penso neste blog como um caderno que vi ontem à venda numa papelaria que adoro no Largo do Machado.
Lindo, capa lisa de papel cartão, folhas de papel amarelado e encorpado.
Cantos arredondados.

Na contra capa, um aviso: caderno para escrita agradável.

É essa escrita que eu valorizo.
***
Post A vida é trânsito

domingo, 18 de julho de 2010

Feirinha da Glória

Gosto de arrumar as coisas. Como já disse aqui, anteriormente, acredito que a arrumação tem um poder terapêutico.
Mais por necessidade e menos por terapia, tenho arrumado algumas coisas minha casinha que ainda não foram para o lugar. Dia desses, abri a última caixa da mudança que AINDA estava fechada, depois de um ano de encaixotada.
Ora, se eu vivi mais de um ano sem as coisas que estavam lá dentro, poderia me desfazer delas.
MAS... aí abri a caixa, encontrei aquela camisolinha que eu nem lembrava mais que existia e, tenho certeza, vai ser muito últil quando o verão carioca der as caras. Aí reencontrei uma sandália querida e vestidos confortáveis. Separei duas pilhas: 1) coisas úteis ou aquelas sobre as quais impera o apego; 2) cacos velhos que, Deus meu, porque eu guardei?
As peças da "pilha 1" tiveram dois destinos: campanha do agasalho ou o meu armário (depois de lavadas para tirar o cheiro de guardado de tanto esperar).
A "pilha 2" não poderia ir para o lixo. Eram cacos velhos sim mas, já anotei em minhas andanças, esses cacos velhos são o ganha pão de muita gente nas ruas da Glória e do Catete.
E então, saí com três sacolinhas. Uma de roupas, uma de sapatos e uma de quinquilharia tipo maquiagem e brincos que me dão alergia.
Entreguei tudo para o Sebastião, um senhorzinho magrelo comerciante do rejeito alheio, que disse -"já tamo amigo!"
O estranho vai ser andar pela rua e ver meus ex-pertences à venda.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Concentração final

Amanhã de manhã 125 pessoas que se viram umas duas ou três vezes na vida vão ter um último encontro civil antes de ingressarem na vida milica. É a última etapa do Estágio de Adaptação de Oficiais Temporários 2010, em Belo Horizonte.
Há quase um ano atrás, éramos eu e meus 160 e tantos colegas. Lembro perfeitamente da fila do lado de fora do quartel, de entrar no Ciaar e não saber para onde ir, de esperar naquelas poltronas azuis, de conferir e reconferir os muitos documentos.
Na semana seguinte, as poltronas do Auditório Doorgal Borges entrariam na minha cabeça para nunca mais sair, muitas horas insones foram passadas nelas. Em poucos dias parecia que eu conhecia o Ciaar desde sempre e, algumas daquelas pessoas, então, nem se fala.
Bons tempos.
Torço para que a turma do EAOT 2010 goste tanto do Ciaar quanto a maioria das pessoas da minha turma curtiu. Os próximos três meses não serão nada fáceis, mas é um difícil que fica bom. É inesquecível e deixa uma saudade absurda.

domingo, 23 de maio de 2010

Andanças pela Glória

Agenda do Fluminense do ano de 1997.

Tostex enferrujado.

Video-game Gemini (com joystick original).

Retratos de pessoas anônimas.

Edições do Círculo do Livro.

Liquidificador com copo de vidro.

Sapatos, tênis e sandálias com muitos quilômetros rodados.

Aplique de cabelo descabelado.

Cooler de CPU.


Tudo isso, lado a lado, sobre um pano sujo estendido na calçada.

Toda a sorte de quinquilharias, usadas e mal conservadas, está à venda nos ambulantes das ruas da Glória e do Catete. Os ambulantes, tão mal ajambrados quanto suas mercadorias, são moradores de rua ou gente que aparenta ser muito, muito pobre.

É uma visão ao mesmo tempo melancólica e curiosa.

Sabe aquela tornozeleira de búzios que você comprou em Porto Seguro em algum verão dos anos 90 e nunca mais usou? É esse tipo de coisa que os ambulantes da Glória e do Catete vendem.

Nunca parei para perguntar o preço de nada, mas já pensei que alguns cacos velhos que surgiram com a minha mudança bem que serviriam para o mercado...

***

A Glória é um bairro muito antigo e que já teve seus dias de gramur&grítter. A família imperial, no período joanino, frequentava a Igreja da Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Inclusive, foi lá de Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Michaela Gonzaga, filha de D. Pedro I e neta de D. Joao VI, foi batizada, em 1819.

(suponho que o padre imperial deve ter recobrado o fôlego pelo menos um par de vezes entre o "Maria" e o "Gonzaga")

Oficialmente, a Glória é o primeiro bairro da zona sul do Rio, mas eu acho que tem uma baita cara de Lapa e Centro também. Digo isso porque vejo umas construções antiquíssimas, dessas que você para em frente e fica tentando descobrir o que é, ou melhor, o que foi. Dessas que tem umas carrancas de granito que põe medo na gente.

Uma das fachadas que mais me chamou a atenção é a da foto.


É a sede da Igreja Positivista do Brasil, que foi fundada no século XIX, e sobre a qual eu nunca tinha ouvido falar na minha vida. Esse lance de ser governado pelos mortos, pelo que entendi, é o seguinte: os positivistas cultuam a memória dos mortos por meio do legado que deixaram para a posteridade. É a imortalidade subjetiva da alma. Na nave central, há bustos de 13 personalidades da religião, literatura, filosofia, ciência e política, gente tipo Shakespeare, São Paulo e Aristóteles.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Os Hómi Ltda.



Encontrado o lar, o passo seguinte é torná-lo habitável. Motivo de alegria, finalmente, depois de meses e muita procura, ter achado um teto para chamar de meu. E ficar imaginando onde vai ficar cada coisa, como deixá-lo mais aconchegante.

Despesas à vista, mas com a satisfação de estar empregando bem o suado soldo, pensando no benefício que virá.

Nesta etapa, os hómi entram em cena.

A moça depende dos hómi para transportar a mudança do Paraná para o Rio de Janeiro. Depende dos hómi que vão entregar os eletrodomésticos SEM MARCAR HORA.

Depende do hómi que converte fogão para gás de rua - conversão de fogão dispensa a leitura das Sagradas Escrituras, ao contrário de conversão de gênti.

Depende do hómi que instala varal de teto e prega armário na parede. E que deu os canos três vezes consecutivas entre segunda e quarta-feira para terminar o serviço.

Depende do hómi que monta guarda-roupa e que, se Deus quiser, vai depois do feriadão.

O problema é conciliar tudo isso com o pouco tempo que sobra depois do expediente. Tem que pedir peloamordeDeus se dá para entregar após às 17 horas, se dá para tentar, mais ou menos, marcar hora (por favor, por favor).

***

Conselho do hómi do fogão, ao detectar que eu não estava com gás no apê. "A senhora liga lá na Ceg e fala que vai morrer se não tiver gás, que tem gente com úlcera na família e que TEM QUE cozinhar em casa. Senão, vão demorar um mês."

Obrigada pelo conselho, hómi. Meda.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Deveras aprazível

Rio de Janeiro, hoje.





domingo, 31 de janeiro de 2010

O ramerrão

A tarefa naquela manhã dos anos 90, que pode ter sido de alguma série do ginásio, hoje Ensino Fundamental, era interpretar algumas frases. A professora de redação havia escrito várias na lousa, e acho que era um jeito de matar aula. Bem, as aulas dessa professora eram intermináveis janelas no nosso horário...
Parecia não haver critério nem rigor estilístico. O repertório variou de uma sentença que tinha "a mosca da minha sopa" no meio até frases de escritores da literatura nacional. Uma em especial em marcou.

"A vida é um ramerrão solitário."

Que eu me lembre, era atribuída a algum autor.
Hoje, mais de uma década depois, procurei no Google e não achei o dono. Não acharia estranho se a frase não estivesse reproduzida fidedignamente, aliás, seria a cara dessa professora se fosse quase a frase original.
Para mim, ramerrão solitário dá uma ideia de uma multidão solitária, um bando de gente indo para o mesmo lugar, porém, isoladamente. Uma espécie de Círio de Nazaré pagão - todos vão juntos, mas cada um olhando para sua própria dor. Digo isso com base na cara da palavra. Acredito que as palavras têm personalidade própria, inclusive, há aquelas que só saem casa de cartola e casaca, de tão requintadas que são. Por outro lado, há aquelas descartáveis feito um lanche do McDonalds.
É o caso da palavra diferenciado. Pobre coitado, um dos verbetes mais promíscuos do vernáculo.

Não tenho um dicionário aqui (que falta faz minha casa!) e, uma googlada mixuruca afirma que ramerrão que dizer tarefa rotineira e enfadonha. Se for isso mesmo, minha interpretação perde o sentido.

Mas permanece a figura do Círio pagão.

***

Foi graças a essa professora que me tornei jornalista.
Ela era tosca, mas dava umas dentro.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Os insetos&eu

Eu tenho muitas histórias com insetos. Um dia, quando era estudante de jornalismo na UEL, uma abelha se enroscou nos meus cabelos, em plena aula. Sacudi com a mão para ver se a abelha se mandava, levei uma picada e ganhei o indicador inchado por uns três dias. Tempos depois, enquanto fazia fotos com a câmera da faculdade, outra abelha se prendeu em mim. Ahá, pensei, não vou sacudir. A bicha saracoteou até cansar e acabou por picar meu couro cabeludo. Foi pior que o dedo inchado: fiquei com os gânglios atrás da orelha inchados e não conseguia nem colocar óculos, de tão dolorido.
Lá pelo terceiro ano da faculdade, um bichinho minúsculo e desconhecido me picou no pé. Dessa vez o corpo todo reagiu, de uma vez só, e fui parar no Hospital Universitário.
Desde então fui atacada por outros insetos e tive alguns pequenos inchaços. Nem estranho quando isso acontece.
Mas, ontem, a criatura abaixo investiu contra mim.


Medonho, alado, listrado e com a bunda a pulsar, cheia de veneno.
Foi na perna, e senti dor do dedinho ao quadril. Achei que ia ter outro troço desses de ir para o hospital mas, passado o pavor e a dor iniciais, vi que não era grave. Por questão de honra e segurança dos habitantes da casa, prendi o pesadelo com listras dentro de um copo de Nutella.
Ele está lá até agora, encostado em um canto do corredor. Dei boa noite e bom dia. Tudo o que ele faz é escalar as curtas paredes de vidro e escorregar em seguida.
Tenho um prisioneiro de guerra, e não sei que destino dar a ele.
Gostaria de saber que bicho é. Parece um marimbombo tamanho GG. Será que é vespa?
Ao vê-lo preso no copinho, fico com pena. Deve estar ruim lá. Sem ressentimentos pelo ataque.