terça-feira, 17 de junho de 2008

Janela na memória

Sempre gostei de escola. Gostava muito com força das aulas de interpretação de texto. Há um hiato, no ano de 1989, tempo em que a escola não foi um bom lugar. Foi o ano em que mudamos pai, mãe e irmão para Araraquara e tive o azar de ser aluna de uma professora esverdeada chamada Maria Tereza, que escrevia borbolêta e trocava os dois esses por cedilha em algumas palavras. Ela me dava queimação no estômago e nas têmporas, e eu chorava. Se a conhecesse hoje, seria enquadrada na categoria 'vaca'. O masculino de 'vaca' é 'puto'. Mas eu estava só na segunda série e vaca era só um bicho que dava leite. Sim, por que, apesar de ser uma criança da capetar, eu conhecia as coisas da fazenda.

No ano seguinte os textos todos das aulas de Português estavam reunidos numa apostila de espiral e capa azuis. Tinha muito carinho por aquele calhamaço. No final do texto, vinha uma outra sugestão de leitura, era uma plaquinha escrito "Não deixe de ler", mas onde, devido à minha pressa habitual, que era mais visível na infância, eu lia "Não deixe ler". Lá no segundo semestre eu fui compreender, de fato, o que estava escrito.

Um dos textos me marcou tanto que, até hoje, eu sei de cabeça. Mas a atividade proposta pela professora não me agradou muito: era para musicar a poesia. Para minha sorte, foi daquelas tarefas que ninguém faz e até a professora acaba esquecendo. Segue a relíquia da infância.

As meninas

Arabela
abria a janela.

Carolina
erguia a cortina.

E Maria
olhava e sorria:
"Bom dia!"

Arabela
foi sempre a mais bela.

Carolina
a mais sábia menina.

E Maria
Apenas sorria:
"Bom dia!"

Pensaremos em cada menina
que vivia naquela janela;
uma que se chamava Arabela,
outra que se chamou Carolina.

Mas a nossa profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,
que dizia com voz de amizade:
"Bom dia!"

Cecília Meireles (Ou Isto ou Aquilo)

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