quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Incertas
Ao lado do marido, durante a cerimônia, a esposa esquadrinha o ombro direito do homem à cata de pontos brancos. Espanta algumas caspas com o dorso da mão, põe os óculos, e se certifica que o azul marinho do tecido é como um céu em noite sem estrela. Tira os óculos e se volta a cerimônia.
Mas ela não viu que o ombro esquerdo, esquecido, continuou todo salpicado.
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A adolescente surda entra no ônibus e puxa papo com a colega de banco. Estava agitada, mais para insatisfeita do que para alegre. Gesticula, emite alguns sons guturais, observada pelo olhar atento da interlocutora. Mas a colega de banco, ouvinte, não assimila o teor do monólogo manual. A conversa veio sem manual. Responde com um olhar compreensivo e cordato.
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Depois de dias no cativeiro, a atriz famosa é resgatada. Sai nos braços do policial. Está exausta e suja. No estrito cumprimento do dever, o policial sente o cheiro da falta de higiene forçada que nem mesmo o marido famoso da atriz famosa havia sentido. O auge da intimidade.
terça-feira, 25 de setembro de 2007
Inclusão oportunista
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Por que SÓ na propaganda partidária, quando o futuro candidato fala o que quer, sem ninguém para argumentarcom ele, é que as tais legendas estão presentes?
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Gostaria de saber se a pessoa surda consegue ler lábios dos atores/apresentadores na TV.
E, caso não consiga - e, portanto, não tenha acesso aos programas de TV - o que diabos ela estaria fazendo na frente da TV? Esperando a propaganda partidária começar?
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Produtores de propagandas partidárias: vão carpir uma data.
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
terça-feira, 18 de setembro de 2007
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
Notas de aeroporto
(escrito em 15 de setembro)
Eu, que tanto apreço tenho pelas palavras, sinto que seu uso constante e acurado, por vezes, é desnecessário. Digo mais: deveria ser desestimulado. Quero a comunicação do sentido. Abaixo o código. Perigosas, as palavras vão ao centro da questão, desnudam e apontam o dedo para o nariz do sentido.
- É isso, é não outra coisa, o que você sente. Eu sou o que você sente! – dizem as palavras, inquiridoras e infalíveis.
Ah, tão infalíveis as palavras. No fundo, gosto delas.
Depois que um sentimento é agraciado com a função definidora da palavra, depois de enquadrado nos rigores do significado, não tem mais volta.
Mas nem sempre é de sentido que se carece. Quando a subjetividade já definiu a matéria de que é feito o sentimento, todas as palavras do mundo são poucas. O sentido é superior à palavra.
Procuro um estado em que a necessidade da palavra se esfacele. Em que elas voltem para o dicionário, junto com a prepotência do poder de ditar nomes.
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Minha rebeldia para com as palavras é novidade. Meu apreço, não sei se o qualifico de habitual ou anterior, está de folga.