terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Ele podia estar matando, podia estar roubando...




... mas, não. Ele é homem self-service. Seu trabalho é acenar para os pedestres e convidá-los e entrar no restaurante. Será um prato? Um hamburguer? Sabe Deus. É tosco demais da conta.

O flagrante é do colega fotógrafo Fernando Cremonez, na rua Sergipe, em pleno sol do meio dia-e-meia.

Uma pena que o homem self-service está de costas. A frente é igual, com a diferença que, por meio de dois buracos, os cidadão bota os braços para fora, cobertos por uma luva marrom.

Nessas horas a gente agradece, de pés juntos, o emprego que Deus deu.


sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Memórias de uma quase CDF

Toda vez que eu bebo o suficiente para sentir algum sinal do álcool no corpo - e, no meu caso, pouca bebida já dá resultado -, me recordo do hormônio anti-diurético e seu efeitos. Este hormônio, informa meu fichário mental, impede que o organismo elimine mais água do que o necessário.
Quando ingerimos álcool, a secretação do hormônio anti-diurético é inibida, e é por essa razão que bebida é sinônimo de sucessivas idas à casinha durante a noitada. No caso da cerveja, a quantidade de água ingerida torna os efeitos mais evidentes.
O fato é que, toda vez que eu bebo, lembro desse hormônio. Toda, toda, toda, desde o colegial.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Das coisas que não sei


Resolver polinômios

O que é um campeonato por pontos corridos

... e nem um escanteio

Fazer tricô ou crochê

Sambar

Dissimular sono ou desagrado

Jogar vôlei

Pintar as unhas à contento


As que sei, essas não acabem aqui.

Os refrigeradores salvarão a Terra

Devo ter jogado no ralo uns cinco litros de água cristalina na última vez que degelei minha geladeira. Ao som do líquido escorrendo pelo cano de plástico, pensei que não vai faltar água na Terra: a água do futuro vai vir de dentro das geladeiras. Acabou a água? "Faça" mais.

-"Mas o que fazer com o calor produzido pelas geladeiras?", perguntou Manakelly, jogando um balde de água fria (ahn, ahn?) na minha idéia.

Sei lá.

E tem mais: será que podemos beber essa água? Dei uma googlada e refresquei (ahn, ahn?) a memória. O gelo que junta no freezer é resultado da condensação do ar e pode conter parte dos gases que fazem o refrigerador refrigerar. Além disso, é pobre em sais minerais, o que não é bom para o organismo.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Umas casa portuguesa, com certeza

Ontem fui fazer uma entrevista na Casa Portuguesa. Tá. Cheguei, toquei a campainha. Nada.
Aí o arguto fotógrafo Abelha, descendente dos lusos, assim como eu, notou que a mesma não funcionaria nem se tocada dez vezes. Foi a primeira vez que vi uma campainha assim. O mais interessante é que não tem tomada por perto. Fomos no portão ao lado e, surpresa: duas campainhas aguardavam dedos ansiosos. Ora, pois.

Gilberto Abelha

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Lead

Quem: Glória Galembeck
O quê: defende sua monografia do curso de Especialização em Comunicação Popular e Comunitária da UEL, "O exercício diário da cidadania: a participação do leitor no Jornal de Londrina".
Quando: hoje, às 21 horas.
Onde: no Ceca da UEL, a sala só vou saber na hora.

Na banca, os professores Celso Mattos (orientador), Rozinaldo Miani e Beto Klein.
Na platéia, quem quiser aparecer.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Dúvida cruel IV

Onde moram as sementes da uva passa?
As uvas não passadas têm sementes graúdas, impossível não detectá-las.
Já as passas têm uns pontinhos, ínfimos, em seu interior.
Será que as sementes da uva passam junto com a fruta?

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Ergonomia já!

Tenho alguns pontos que doem nas costas. Já faz um tempo. Minha postura na mesa de trabalho não é a mais correta. Dói, principalmente, ao lado da omoplata direita. Em seguida, começou uma dor medonha na lateral esquerda do pescoço. Lindo, pensei, agora tenho uma dor de cada lado.
Eis que resolvi seguir um conselho de algum fisioterapeuta que entrevistei sei lá quando: mudar o mouse para o lado esquerdo da mesa.
Mudei hoje.
Sou destra, e tem sido uma experiência difícil que só. Pareço acidentado em reabilitação: movimentos executados com vagar, a setinha passa do alvo, eu volto, tenho vontade de ajudar com a mãe direita, mas não posso!
Uns meses atrás, quando recebi a tal orientação, até tentei "mousear" com a mão esquerda. Mas perdi a paciência rapidinho.
Mas agora, com as costas doloridas, não tem como fugir.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O estranho mundo animal

Equipes de resgate salvaram um urso pendurado na ponte Rainbow, na Califórnia.
Os homens do resgate estenderam uma rede de nylon para salvar o urso.
O urso foi tranqüilizado com um dardo e empurrado com uma vara para a rede.
(FONTE: BBC Brasil)

A questão é: como o bicho foi parar lá? Seria um urso suicida? Que nada. Um carro ultrapassou o urso, ele se assustou e pulou a mureta da ponte. O bicho ficou 24 horas pendurado. O filminho da vida dele deve ter passado e repassado muuuuitas vezes...

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Incertas






Ao lado do marido, durante a cerimônia, a esposa esquadrinha o ombro direito do homem à cata de pontos brancos. Espanta algumas caspas com o dorso da mão, põe os óculos, e se certifica que o azul marinho do tecido é como um céu em noite sem estrela. Tira os óculos e se volta a cerimônia.
Mas ela não viu que o ombro esquerdo, esquecido, continuou todo salpicado.
***
A adolescente surda entra no ônibus e puxa papo com a colega de banco. Estava agitada, mais para insatisfeita do que para alegre. Gesticula, emite alguns sons guturais, observada pelo olhar atento da interlocutora. Mas a colega de banco, ouvinte, não assimila o teor do monólogo manual. A conversa veio sem manual. Responde com um olhar compreensivo e cordato.
***
Depois de dias no cativeiro, a atriz famosa é resgatada. Sai nos braços do policial. Está exausta e suja. No estrito cumprimento do dever, o policial sente o cheiro da falta de higiene forçada que nem mesmo o marido famoso da atriz famosa havia sentido. O auge da intimidade.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Inclusão oportunista

Os únicos programas de TV que, invariavelmente, contam com legendas para espectadores surdos, são as propagandas de partidos políticos. Esse tipo de inclusão me desanima, sinceramente. Porque é de fachada, é uma forma de oportunismo eleitoreiro para inglês ver. Não boto fé no caráter "cidadão" que essas legendas possam ter - aliás, que palavra mais promíscua essa, cidadão, cidadania.
***
Por que SÓ na propaganda partidária, quando o futuro candidato fala o que quer, sem ninguém para argumentarcom ele, é que as tais legendas estão presentes?
***
Gostaria de saber se a pessoa surda consegue ler lábios dos atores/apresentadores na TV.
E, caso não consiga - e, portanto, não tenha acesso aos programas de TV - o que diabos ela estaria fazendo na frente da TV? Esperando a propaganda partidária começar?
***
Produtores de propagandas partidárias: vão carpir uma data.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Suspiro





"A saudade é a memória do coração."

(Coelho Neto)




terça-feira, 18 de setembro de 2007

Em caso de dúvida


Quando não se sabe o que fazer, o melhor é ficar onde está.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Notas de aeroporto

(escrito em 15 de setembro)

Eu, que tanto apreço tenho pelas palavras, sinto que seu uso constante e acurado, por vezes, é desnecessário. Digo mais: deveria ser desestimulado. Quero a comunicação do sentido. Abaixo o código. Perigosas, as palavras vão ao centro da questão, desnudam e apontam o dedo para o nariz do sentido.

- É isso, é não outra coisa, o que você sente. Eu sou o que você sente! – dizem as palavras, inquiridoras e infalíveis.

Ah, tão infalíveis as palavras. No fundo, gosto delas.

Depois que um sentimento é agraciado com a função definidora da palavra, depois de enquadrado nos rigores do significado, não tem mais volta.

Mas nem sempre é de sentido que se carece. Quando a subjetividade já definiu a matéria de que é feito o sentimento, todas as palavras do mundo são poucas. O sentido é superior à palavra.

Procuro um estado em que a necessidade da palavra se esfacele. Em que elas voltem para o dicionário, junto com a prepotência do poder de ditar nomes.

***

Minha rebeldia para com as palavras é novidade. Meu apreço, não sei se o qualifico de habitual ou anterior, está de folga.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Ninguém perguntou, mas... - I

Dificilmente uma pessoa morreria engasgada com um suspiro.
Em contato com a saliva, a mistura de açúcar e clara de ovo derrete. Acredito que o mais grave a acontecer com um sujeito que fique com um suspiro entalado na glote é ficar sem ar só um curto período de tempo. Em seguida, o suspiro derrete e desobstrui a passagem de ar.
Ressalva: estou falando de suspiros de qualidade, que, ao menor sinal de umidade, se desmacham irresistivelmente.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

O pensamento que (o)correu

Aí eu vi a moça na fila e pensei o pensamento dela. Às vezes, não sempre, acontece.
Era mais ou menos assim que as palavras andavam correndo na cabeça da moça:

-“O que você faz comigo que quando me olha eu tenho vontade de ir até você e te respirar, te absorver, ser um pouco você? O que eu faço comigo que, quando te vejo, me entrego? Será que longe de você, eu vou saber ser eu do jeito que sou quando estou com você?”

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Dúvida cruel III

Na época em que nem todo mundo tinha telefone em casa, qual era o comportamento padrão das visitas?
Eu acho que as pessoas apareciam na casa dos outros de surpresa, sem mais nem menos. Devia ser bem chato. Você estava lá, no sacro-santo recesso do lar, quase embarcando num sono dominical, aí chegava um bando de parentes, sem a menor cerimônia.
Aquela música, que fala do Arnesto que convidou prum samba e os convidados deram com o nariz na porta, me reforça essa idéia. O Arnesto deve ter esquecido do combinado ou, então, quis mesmo é fugir dos camaradas. Vai saber. Às vezes, ele teve uma emergência e teve de sair às pressas. E eu aqui julgando o cara.

O telefone fixo, o celular e o interfone facilitam muito a vida nesse ponto.
Inclusive para quem quer fugir de visitas fora de hora.

Mas acho que há uma perda nisso. Devia ser gostoso ficar esperando, será que eles vêm ou não vêm?

domingo, 24 de junho de 2007

Jornalismo gonzo

Foi um programa inusitado para uma tarde de domingo. Hoje, durante o plantão de domingo no jornal, entrei em uma galeria pluvial. Isto é, entrei no buraco que existe embaixo daquelas tampas redondas de metal, no meio da rua.
Tinha uma aguinha esbranquiçada correndo lá embaixo, mas não era para ter nada já que, teoricamente, a galeria é para drenar água de chuva. O lugar é bem grande - chama-se ponto de visita - e fica-se em pé lá dentro.
O que me chamou a atenção é que eu imaginava que havia baratas ou outros bichos por lá, e não vi nadinha. Só um cheirinho ruim, mas completamente tolerável. E vários túneis, as galerias propriamente ditas, que vem de um lugar e vão para outro, geralmente um córrego.
Entre a subida e decida, consegui sujar as mãos, a camiseta e a calça em três lugares diferentes.
Faz parte.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Dúvida cruel II

Quem primeiro teve a idéia de criar cadeias será que pensou em:

1) Cercear a liberdade alheia como forma de punição?

ou

2) Tirar o mau elemento de circulação para garantir a sobrevivência da espécie?

segunda-feira, 11 de junho de 2007

A vida é treino

Minhas elocubrações infantis eram, em sua maioria, muito ricas.

Um dia eu perguntei para minha mãe como era depois da morte.

A resposta católica foi a da vida eterna, que se tivéssemos merecimento, iríamos para um lugar bem bom viver a eternidade. Mas só em espírito, claro.

A resposta fez todo o sentido, porque uma coisa, já naquela época, me era inconcebível: que a vida simplesmente acabasse.

Lembro-me de, aos três ou quatro anos, estar agachada no quintal de cerâmica da casa de SP, a mãe logo ao lado na área de serviço, ao alcance da voz. E pensar: "mas esse 'eu' que está pensando agora, agorinha, não é possível que ele pare de pensar um dia". Não conseguia conceber a não-existência. Depois da confirmação católico-maternal, me tranqüilizei: 'eu' continuaria a existir e a pensar, onde quer que fosse.

Essa certeza me acompanha desde então (ou desde sempre, não sei) e me faz acreditar com mais força na idéia de que a vida é treino. Um dia, se a gente treinar bem treinado e tiver merecimento, o 'eu' vai para um lugar tão inimaginavelmente danado de bom que não volta mais.

É, a vida é treino.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Meu apreço pelas palavras



Tenho um fraco pelas palavras desde que me entendo por gente.
Quando era bem pequena, antes mesmo de conhecer as letras, gostava de olhar textos miúdos, tipo dicionário, e imaginar que coisas bem difíceis estavam escritas. Me encantavam em especial as cerifas das perninhas dos "emes" na fonte Times New Roman - que aquela altura não mereciam tão acurada descrição. O sentido mais complexo que eu conseguia atribuir àquele amontoados de sinais era "sais minerais". Sabe Deus porque.
Ainda iletrada, achava que "banheiro feminino" era uma alusão à costela de Adão. Na minha cabeça era "foi menino". Ou seja, foi menino enquanto costela de Adão, e hoje é menina - por isso as mulheres iam ao "banheiro foi menino".

***

Teve um dia que um professor amigo do meu pai ligou em casa, ainda em São Paulo. Eu tinha cinco anos.

[eu]
-Quem é?
[o professor]
-É o Urbano.

[eu]
-Paaaaai, é interurbano.
[pai]
-Mas quem é?

[eu]
-Mas quem é?
[o professor]
-É o Urbano.

[eu]
-Pai, é interurbano.
[pai]
-Mas quem é que quer falar comigo?

[eu]
-Mas quem é que quer falar com meu pai?
[o professor]
-É o Urbano. Ur-ba-no.

[eu]
-Paaaaaai...

Essa lenga-lenga se repetiu umas três vezes até que meu pai tomou uma atitude e foi ver quem era o tal interurbano. Até hoje ele tira sarro de mim por isso. E eu ia lá saber que Urbano é nome de gente?

***

Quem me iniciou no mundo das letras foi meu irmão.
Quem iniciou meu irmão foi meu pai.
Tínhamos cubinhos de madeira e em cada face tinha uma letrinha desenhada. O "gê" minúsculo, em vermelho na madeira clara, era lindo.
Ele juntava uma consoante e uma vogal e formava uma sílaba. E eu tinha que ler. Quando errava, às vezes os cubinhos voavam na minha direção.
No pré III eu não lia fluentemente, longe disso, mas já tinha um domínio razoável das sílabas.
Isso compensava minha pouca habilidade para trabalhinhos de recortar-colar-pintar. E ainda me dava um arzinho de superioridade.

***

Essa falta de jeito para criar as coisas bonitas que tinha na cabeça foram solucionadas com o advento das palavras. Bonitas, sonoras, um universo de sentido no silabário.
Mas sobrou em mim uma falta de jeito que faz com que certas atividades sejam pouco adequadas para mim. Não poderia ser equilibrista, atleta de nado sincronizado, estátua viva, motorista de montanha russa, trabalhar com vendas, reger orquestras.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Anotações em noite chuvosa

E agora essa chuvinha de segunda-feira à noite que resolveu cair. Bota a gente saudosa que só.
E eu, que não costumo acompanhar a previsão do tempo, sou pega desprevenida.
[agora tô espertinha: já sei que quinta ou sexta vai gear nalgum canto do Paraná]
Fui pega desprevenidamente ao escutar o vento chiando na janela e sentir o cheiro do molhado. Olhei na rua, o asfalto brilhoso de água, o vai-vem do limpador de pára-brisa e o carro parado no sinal vermelho.
E pensei na pessoa que está lá parada com um pé no freio e outro na embreagem. Quem será que está indo encontrar?

-Você se molhou? - enquanto vem com o abraço, toalha e beijo.

[é mais ou menos como quando vejo as janelinhas de um prédio à noite; quanta vida há de haver em cada quadradinho, quanta vida!]
E nessa hora o cheiro da chuva cutucou meu vazio, a falta, a ausência sentida.
A vida é, mesmo, trânsito?
Então por que essa vontade de parar em certo lugar e ficar?

***

E a música do Arcade Fire que não me sai da cabeça. De certo modo, é trânsito.

terça-feira, 15 de maio de 2007

Insight





A flor é o sorriso da planta.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Recortes

Hoje o mundo me atraiu sobremaneira.
Porque logo cedo teve o café quente e cheiroso adoçado ainda na água fervente - e por isso tão bom. E teve pão com Bom Dia Brasil.
E teve a visita à carceragem vazia e eu vi a vida dos presos no cheiro rançoso da cadeia, e aprendi o que é uma jega e o que é uma aranha. Não, não se trata da mulher do jegue e nem de um aracnídeo. E conheci parte do ciclo da violência. E concluí: certamente é melhor ter a bolsa levada em segundos do que viver no corró. O susto passa, mas a vida do preso, esta também passa; e ele fica. É sempre melhor estar do lado de cá.
E teve a minha plantinha laboral, que eu rego todo dia, bebendo aguinha feliz depois de sábado e domingo de sede.
E teve o que todo dia tem, mas teve também meus ouvidos, olhos e nariz mais vivos. E na hora em que o avião passou não pude não virar o pescoço e acompanhar com olhos, cabeça e atenção. Não pude não rir do estudante gorducho com a camiseta da propaganda do mercado que perguntou "de quem é esta laranja?" em pleno ônibus; o gorducho que achou a dona, que cedeu a fruta para o vizinho de banco, que a provou lá mesmo. Pelo jeito, aprovou.
E teve as cinco dezenas de minutos no divã. Pensamos juntas; eu concluo.
E teve todos aqueles estudantes universitários que eu já fui e a conversas que não mudam. E os risos altos das meninas que se aparecem. E o estudante de física que sobe a escada da biblioteca com livros e gravidade.
E teve a conhecida encontrada no mercado onde se encontra o doce-de-leite supremo.
E, hoje, tem também amanhã.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Recuerdos

Algumas coisas sobre as quais eu escutava falar muito durante a infância sumiram da ordem do dia.
Areia movediça, por exemplo. Os roteiristas de Caverna do Dragão e He-Man deviam ter um apreço especial por esse tipo de formação. Andou sem olhar por onde pisa, e lá estava, vitoriosa, a poça de areia movediça a tragar o personagem para subterrâneos nunca dantes esquadrinhados. Uma vez lembro de ter lido na Super Interessante, nos idos dos anos 80 [eu, recém letrada, portanto] que a coisa certa a fazer ao cair numa região de areia movediça era ficar bem paradinho e esperar socorro. Quanto mais movimento, mais o cidadão afunda. E, claro, ao tentar resgatar alguém que está afundando, não é para entrar na poça. O certo é estender uma corda, uma vara, algo do tipo.
Areia movediça, pelo menos, existe. É uma combinação de um areia, sacana de tão fininha, com água. Mas, e unicórnio? Mais uma vez, Caverna do Dragão. Não é só aquele quadrúpede ignóbil, que sempre frustrava os planos da galera de voltar para casa, que tenho na memória. Unicórnios, pelo que me recordo, eram seres recorrentes nas conversas infantis. Qual não foi minha surpresa ao ter a confirmação - ainda na tenra idade - que não, cavalos com um chifre reinando na testa não existem! Como é que mamífero com bico existe – ornitorrinco – e cavalo com chifre não pode? Incompreensível.

[também me causou espécie saber que a nave da Xuxa não voava]

Mas, arguta, sempre soube que planta carnívora não passa de um matinho que tem uma meleca que gruda e digere insetos. E que tinta invisível e máquina do tempo são nada mais que criações de mentes inventivas. Uma grande pena, aliás.

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Dúvida cruel I

Se eu jogar um ovo numa piscina, com toda força que puder, será que o ovo quebra ou afunda?

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Domingo em São Paulo

O avião estava lá desde que ela se entendia por gente. O que não conta muito tempo. A praça atendia mesmo por ‘Praça do 14 Bis’. Todo domingo a mesma coisa: o bicho inclinado, ameaçando um vôo. Inerte. Mesmo assim, desafiando as leis da física, ela via movimento. E escutava o ruído onomatopeico que saía da própria garganta infantil.

Era só o carro iniciar o contorno da rotatória que lá estava ela: mãozinhas no vidro, olhos fixos, a boca a emitir o ronco do motor e a cabeça inclinada, acompanhando o giro do avião.

Não adiantava a mãe falar que aquele não era o 14 Bis que voou na França em volta daquela torre gigante, era inútil explicar que ele nunca sairia do centro do gramado e também em vão a garota sonhava em pular a grade que tomava conta da aeronave, escalar o monumento e assumir o comando.

Deixado pelo caminho o avião, já no clube das regatas, outro encontro semanal: a tenista em posição de saque. Sempre com pose vitoriosa, olhando para as piscinas do Tietê.

-Mãe, quem é?
-É a Maria Esther Bueno, única brasileira a ganhar em Winbledon.

Que coisa chata, deixar lá, tão paradinhas, coisas tão importantes.


***

Entre uma página e outra da minha monografia, achei esse textim que escrevi em 2003. Pelo que lembro, o avião em questão é no Campo de Bagatelli, zona norte de São Paulo.

sábado, 21 de abril de 2007

Findo o mistério: porque hippie não toma banho


Hippie que se preza não é chegado num chuveiro, e isso não é novidade alguma.
Tenho a impressão que, quanto mais ensebado for o cabelo, mais grossa a crosta na planta dos pés e mais azedo o cecê, mais veraz é o amor à condição.
[tive o ímpeto de escrever “causa”, mas não encontrei nenhuma]
Lembro que uma vez vi um hippie bem bonito no 305, indo para a UEL, anos atrás. Tinha um rosto lindo e um corpo de dar inveja aos malhadores de plantão. Aliás, na recordação, ele é até mais agradável do que o foi naquele dia, já que deixou, como rastro, um cheiro acre. Desses que a gente não consegue esconder a careta. Blé.
Não sei por qual razão, o hippie bonito entrou descalço no ônibus. As havaianas estavam presas nos antebraços, uma em cada braço. Os pés, imundos, pareciam patas.
E o moço carregava, não sem atabalhoamento no vai-e-vem do ônibus, seu mostruário de penduricalhos.
Eu não vi, mas provavelmente o que se sucedeu foi que ele desceu e foi para o RU vender os badulaques. Algum universitário bichogrilesco (com o perdão da redundância) gostou do colar de sementes, pechinchou e levou.
Só que estudantes, muitas vezes, são limpinhos que só.
E aí pode acontecer o que aconteceu com a namorada do irmão da amiga.
Pelo pouco que observei, a moça está naquela fase em que a hippice é bonitinha e bem vinda. E que andar de havaianas pode ser uma maneira de manifestar a discordância com ‘a vida como ela é’ ou ainda um jeito de potencializar a leveza dos anos de faculdade.
Sucedeu que, de tanto tomar banho com o colar de sementes, feito pela própria, o colar germinou. Que hippie.

***

Anos atrás uma amiga da amiga ficava com um hippie bonito, de Artes Plásticas. Cobiçadíssimo o moço, aliás.
O romance acabou, mas os piolhos ficaram – nela.
Juro que aconteceu.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Essa é Creudinha

[eu] -E aí, renovou a habilitação?
[ela] -Não deu.
[eu] -Não?
[ela] -Não.
[eu] -Por que não?
[ela] -Reprovei no exame de fezes.

domingo, 15 de abril de 2007

Olha que bonito

"A ternura denuncia a veracidade do amor."

Disse o Frei Betto (Folha de S. Paulo, 08/04/07, p. 3) que foi o Milan Kundera, aquela de "A insustentável leveza do ser", o autor da frase. Gosto.

sábado, 14 de abril de 2007

Agá dois ó

Outro dia comentava com a minha mãe o último relatório do IPCC, que está mais para o livro do Apocalipse. Falávamos, em especial, da perspectiva de um bilhão de pessoas ficarem sem água e que isso é apontado como possível motivador de conflitos mundo afora.
E ela fez um comentário muito pertinente:

-Quem tiver um poço em casa vai fazer o quê? Colocar um guarda para tomar conta?

É. A coisa, que já não está boa, vai ficar feia de verdade.
Penso que, se hoje a “bandidage” fica de olho em carros, celulares, grana e afins, a água vai ser o bem cobiçado do futuro. Mas não consigo imaginar um pé-de-chinelo entrando em casa para roubar o transparente galão de vinte litros.
Antes, acho que estaremos nas mãos de uma máfia da água. Todo mundo sabe do cartel dos combustíveis; e se o modelo migrar para as distribuidoras de água mineral?

***

Odeio ter dor de cabeça. Embota-me a criatividade. E dói.

domingo, 1 de abril de 2007

Caos urbano

Uma mulher saiu para comer pizza com o marido e os dois filhos no sábado à noite. Antes mesmo de fazer o pedido, foi atingida por uma bala perdida e morreu. Ladrões que já haviam praticado o roubo numa locadora do outro lado da rua fugiram, de moto, dando tiro para todos os lados. Um deles sobrou para Suely.
Não sei se o dono da locadora estava armado e ameaçou os caras, mas sei que não tinha polícia - o que reduz as chances de os dois ladrões se sentirem acuados. O que me faz pensar menos que era legítima defesa. Bem, dá para falar em legitimidade quando os caras são ladrões? Não sei.
Fui no local do crime e encontrei a irmã da Suely. Ela chorou sem lágrimas - acho que já tinha secado o reservatório. Fiquei sem palavras.
Sabe o filme Crash, em que todas as histórias se relacionam e você tem todos os lados de uma mesma história? Só tenho o lado da família da Suely. Mas torço, torço mesmo, para que a notícia que escrevi chegue até os dois ladrões e que eles saibam que mataram alguém.
O lado do ladrão não sai no jornal. E nem caberia. Imagine: -"Rôbei pur que tô deveno na boca i eles ia queimá eu", justificou Fumaça [alcunha fictícia]. Não dá para justificar o injustificável.
Londrina já passou do aceitável. Só sei isso.

http://canais.ondarpc.com.br/jl/geral/conteudo.phtml?id=649555

Mono

Quando tenho febre sou tomada por uma sensação que encontra um correspondente lá atrás. Na infância, quando minha mal traçada caligrafia era problema, eu tinha um pânico característico quando a professora estava chegando ao fim da lousa. Ela, prestes a apagar a metade anterior, e eu, que ainda não havia terminado de copiar o que em breve seria não mais que pó de giz. Era uma sensação de “não vai dar, não vai dar”, acompanha de um gelado ruim nas têmporas.
O mesmo acontecia quando a professora decidia vistar os cadernos. Eu bem que preferia que meu nome estivesse no comecinho da chamada e ir logo para a degola. Mas tinha que esperar até o número vinte e poucos da lista para mostrar meus alfarrábios e receber o olhar da reprovação professoral. Zelar pela ordem e “limpeza” [essa era a palavra temida] nos cadernos nunca foi meu forte. Só nos cadernos.
O primeiro registro desse gelado foi quando meu irmão me disse, em 1985 ou 86, que, na próxima vez que o cometa Halley desses as caras na órbita terrestre, minha mãe não estaria mais por aqui. Eram férias de verão; estávamos numa casa alugada em Caraguatatuba. Minha reação foi agarrar a esquadria da janela bem forte e olhar a rodovia que, à noite, parecia um rio de lava. Lembro do nó na garganta e que encostei de leve o beiço no metal gelado da janela. Gelado como as têmporas. Foi pura maldade dele, eu acho.
Esse gelado me acompanha em situações que, a princípio, parecem insolúveis. E, não sei a razão, quando tenho febre, meu cérebro fica meio besta, e é como se eu estivesse diante da lousa que, inevitavelmente, vai virar pó branco de giz.
Gostaria de sentir pelo menos um arremedo desse gelado nas têmporas em relação a minha monografia. Seria um benefício.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Bola fora

A entrevista ia bem.
O padre esguio de meia-idade, extremamente solícito, deu informações úteis. O sotaque com que disse “bom dia, menina de Deus” me fez pensar - ‘de onde veio o homem?’. A garrafa térmica e a cuia de chimarrão à tiracolo denunciavam uma possível brasilianidade, mas o sotaque era por demais carregado.
No final da entrevista, entre o muito obrigada e o tenha um bom dia, a gafe:

-De que país o senhor veio?
-Rio Grande do Sul - respondeu, sem ironia.

Vivo fazendo dessas.

terça-feira, 27 de março de 2007

Geralda

Quando eu era criança e morava em Santana, os trajetos eram muito ricos de personagens. Eu, minha mãe e meu irmão andávamos a pé para cima e para baixo (meu pai, só nos finais de semana) e assistíamos a toda a sorte de espetáculos do cotidiano.
Do outro lado da calçada de um quartel azul calcinha da rua Alfredo Pujol tinha a Geralda. Esse quartel, se as informações familiares estão corretas, era da Força Pública - que depois virou a Polícia Militar de São Paulo. A Geralda vivia na rua, maltrapilha, a carapinha suja colada na cabeça e uma garrafa na mão. Não ofendia os passantes, mas era implacável com o muro do quartel.
Seu lugar preferido era a frente de um boteco onde um gato amarelo dormia sobre um saco de batatas. A dona, uma ruiva gorducha e sardenta, vivia com os óculos de leitura descansando sobre uns peitões. O volume dos peitões deformava o símbolo do São Paulo Futebol Clube, cuja camiseta era o uniforme de trabalho da tal dona. E de-ze-nas de pôsteres do SPFC adornavam as paredes. Minha mãe jurava que nunca compraria as batatas dormidas do gato amarelo. Eu achava sensato.
Rezava a lenda que a Geralda foi abandonada pelo marido, que trabalhava ou morava, sei lá, no quartel (que hoje é de um muito bem comportado bege). Aí descambou - e descontava no muro.
Tempos atrás imaginei a história da mendiga da minha infância. Ficou triste. Mas ela não parecia feliz, mesmo.


Lá vai Geralda arrastando o saco de feltro e as decepções da vida. Lá vai Geralda, com o ventre murcho, descendo a ladeira a passo largo e solto. Desleixada, maltrada, o amor não escolheu Geralda.
Mas Geralda escolheu viver para o amor. Única possibilidade de ver o mundo, Geralda vive com o coração. Só o dela, porque o que julgou ter conquistado, esse se perdeu.
Era soldado da Força Pública. Preto retinto, como Geralda, era homem simples, um sacrifício virar cabo.
Tinha orgulho da farda do marido, lavava, passava, pregava botões. Adorava exibir o uniforme no varal para o mulherio da vizinhança. É do meu homem, pensava, enquanto cuidava para que o cachorro passasse longe. Pensava bem que a vizinha podia passar e olhar a roupa molhada e limpa do cabo, só para Geralda sentir o cheiro da inveja alheia.
Um dia a farda sumiu do varal. O acontecido não passou incólume, o povo notou e falava que o homem havia se escafedido junto com o uniforme.
-“Foi servir no Araguaia”, justificava Geralda.
O desespero só crescia. Tamanha angústia que, muito antes do previsto, o filho de Geralda com o cabo escorregou para fora da barriga. Chegou tão cedo o moleque, com medo de desencontrar do pai, que ainda não estava pronto para a vida.
Geralda ficou ainda mais só. Tremia só de pensar no que ia contar para o marido quando ele voltasse e não encontrasse o moleque já engatinhando.
Atemorizada, decidiu ela também fazer as malas e ir encontrar ser homem. A mala desmanchou com o tempo, os dentes apodreceram, a roupa gastou e Geralda cansou. Sem notícias, decidiu esperar do lado de fora do quartel.
Tomava um trago para agüentar o frio da noite, bebia pinga para o dia passar depressa. Às vezes, atacava o muro do quartel com um pau a mão e ofensas na ponta da língua . O descontrole acaba com as forças de Geralda. O jeito era sentar no meio-fio e esperar a volta do cabo. Ele havia de entender que o neném não pôde esperar.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Para começar

Uns choram porque apanham. Outros, porque não lhe batem.
Já dizia a minha bisavó portuguesa.