quarta-feira, 9 de julho de 2008

Escrever para compreender

Terminei ontem a leitura de “Dois Irmãos”, do amazonense Milton Hatoum. Fiquei hipnotizada, lendo sem parar, inclusive na cadeira do cabeleireiro. É a história de uma família. Fabulosa, ao mesmo tempo em que é simples: Yaqub e Omar, o Caçula, são os gêmeos filhos do comerciante libanês Halim. Eles se odeiam desde a infância. A família mora em Manaus, e é composta pela mãe Zana, a irmã Rânia e a cunhantã Domingas. A trajetória da família, dos anos 20 ao final dos 60 ou anos 70, é contada pormenorizadamente, cheia de digressões e segredos compartilhados.
A maior riqueza, eu acho, é a narrativa. Não se sabe quem é o narrador. A pessoa que nos conta as brigas, as paixões e as não poucas esquisitices da família de Halim permanece anônima em boa parte do livro. O principal mesmo, só no final. Vale a pena.
Mesmo sem saber quem era o narrador, percebi que ele queria saber, tanto quanto o leitor, como tudo aconteceu. Essa decisão de reescrever o passado e colocar tudo no seu devido lugar me lembrou o livro que li antes, “O Conto do Amor”, do psicanalista, cronista e agora romancista Contardo Calligaris. Ele escreve a partir dos diários do próprio pai, já falecido, e faz da narrativa um tecido que tem muito a ver com a vida de Calligaris – a profissão, o pai médico, a vida em Nova Iorque. Na ficção, Carlo Antonini é provocado por uma fala do pai pouco antes de morrer e, doze anos depois, tenta reconstruir uma viagem feita pelo pai nos anos 30, na Itália. Recomendo.
“Dois Irmãos” tem uma série de termos e expressões libanesas. “O Conto do Amor” apresenta ao leitor um punhado de lugares e pintores italianos. Em comum, a tentativa de compreender fatos da vida de pessoas muito próximas mas, que pela própria vida, ficam distantes.

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