segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Um sonho realizado

Há uma menina da minha infância que já andou pelos meus pensamentos periféricos umas quatro vezes nos últimos dias. O nome dela é Carolina, a conheci na segunda série e nunca fomos amigas. Loira sardenta, com um ar permanentemente entediado. Um misto de blasé infantil com o desinteresse que a falta de informação pode causar. Algo do tipo se eu não conheço é porque não presta. Tacanha, a pobre, na mais tenra idade.
O maior sonho de Carolina, que na escola era Carol, mas apregoava ser Lola no balé, era usar aparelho ortodôntico. Um desejo comum e compreensível quando se tem oito anos. No ano seguinte, ela não estava mais no colégio. Rumores davam conta que os pais a transferiram para uma escola pública, forte indício de falta de dividendos.
No ano seguinte, durante a feira de ciências, ela reapareceu. O meu grupo havia montado um eletroímã no afogadilho, solução dada pela professora do laboratório depois que uma dezena de encontros do grupo para construir uma campainha não deram em nada a não ser bagunça. Ao lado, bem me lembro, outro grupo de meninas apresentava aos visitantes os olhos de um boi e suas partes constituintes. Aquilo não fazia o menor sentido para crianças da terceira série, mas, enfim, a seleção de trabalho não era nada rigorosa.
Carolina entrou na sala e percorreu cada experimento, até que chegou ao eletroímã. Neste momento, eu era a única garota do grupo presente. Ela se aproximou e ficou diante de mim. Certamente me reconheceu, um ano antes, éramos colegas de sala. Mas as crianças não têm o hábito de cultivar laços com amiguinhos que não se encontram todo dia. Era muito normal a criança mudar de escola e a gente nunca mais a vir. Por isso, creio, Carolina não me cumprimentou. Apenas prostrou-se diante de mim.
Mostrei o experimento: um prego se tornava um ímã quando um fio, ligado a uma bateria, era enrolado ao mesmo. Ela fez o ar blasé que melhor a caracterizava.
Optei por não cumprimenta-la. Pirraça. Ela se foi. Continuava entediada, mas não era mais a mesma. Seu rosto estava feiamente adornado com um freio de burro, nome dado no interior paulista ao aro de metal que sai boca e se prende a nuca com uma faixa de tecido. Devia estar exultante.

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