sábado, 28 de março de 2009

Banho de mar

O tempo todo minha mãe faz livre associações. Por isso, às vezes, demora alguns segundos até que eu saiba do que ela está falando. Ela simplesmente começa a falar sobre algum assunto - que até então estava fora da conversa – como se o interlocutor fosse entender a relação. Na maioria das vezes, eu entendo, mas, não sei por que razão, gostaria que ela introduzisse os novos assuntos como, de fato, novos.
Essas livre associações resultam em algumas boas histórias. Hoje, no mercado, comprando ingredientes para bruschetas, peguei uma lata do azeite português Figueira da Foz. E aí, senta – ou melhor, empurra o carrinho – que lá vem a história de dona Irene.
No final do século XIX a minha bisavó, Clara Maria, era adolescente e morava na Cidade da Guarda, em Portugal. A história dela em terras lusitanas foi curta por que, aos 17 anos, grávida de um funcionário da casa - o meu bisavô -, ela fugiu de “vapoiri” para o Brasil. Passou mal a viagem inteira, mas chegou viva, pariu a primogênita Ana e mais quatro rebentos. De profissão, foi parteira e costureira.
Seus contatos anteriores com o mar que a trouxe para uma nova vida - e a fez botar os bofes para fora na amurada do navio - haviam sido rigorosamente controlados. Nas férias da juventude, ela, os pais e os irmãos viajavam para Figueira da Foz, cidade litorânea. As roupas de banho iam até o meio das canelas e de maneira alguma favoreciam o bronzeado uniforme.
O banho de mar era estranhíssimo. Um funcionário chamado de banhista, que prestava serviço ou para a prefeitura ou para o Rei Netuno, era o encarregado de levar os banhistas de facto até o mar. Cada pessoa era levada individualmente e tinha direito a cinco ondas. Por ida ao mar? Não, por dia.
Ou seja, numa temporada de dez dias, o máximo de tempo que uma pessoa permaneceria no mar seria o prazo de 50 ondas. Nada de pular sete ondas na virada do ano. Eram só cinco, e apenas no horário em que o banhista estava a postos.
Não há fotos dessa época. As fotos de praia que tenho da bisa são dela, o marido e os filhos em Santos, lá por 1930. Os trajes ainda eram muito pitorescos. Na década de 70, um tio meu foi a um baile de carnaval com o maiô (isso mesmo, não era sunga) do meu bisavô. Definiria como um body de comprimento até o meio das coxas, sem mangas, de lã (!), azu-marinho. Se alguém aparecesse num baile com essa roupa atualmente iria precisar de legenda para a fantasia. Anos atrás, tive a oportunidade de ver este maiô. Nem de longe dá para imaginar que serviu para entrar no mar.

3 comentários:

marcos cesar gouvea disse...

Mundo pequeno. O sobrenome Gouveia, do meu pai, vem da cidade homônima que é uma cidade pertencente ao Distrito da Guarda, região Centro e subregião da Serra da Estrela, com cerca de 3 900 habitantes.Faz divisa com a cidade de Guarda.

Há un cinco anos conversei - via internet - com o sr. João Rebocho, diretor da biblioteca de Gouveia que mandou pelos Correios vasto material com a história do lugar: chamava-se Gaudela. Fundada em 300 A.C.foi ocupada por muitos povos inclusive pelos romanos. O primeiro Gouveia foi um marquês, e tal e tal...

Lá da região é o nosso Pedro Álvares Cabral...Gouveia, que era o sobrenome da mãe Izabel Gouveia. Parece que ele andou meio perdido por aqui e deu no que deu...

Ainda vou passear na Serra da Estrela!

Glória G. disse...

Mundo pequeno mesmo! Sabe que entre algumas famílias que entrevistei para o "morto do dia" do JL já encontrei bastante gente da cidade da Guarda e de Figueira da Foz? Devemos ter parentes distantes em Londrina...

espanador de pó disse...

esse tio carnavalesco deve ser muito bacana! ir ao baile com o maiô de lã do avô deve ter sido muito legal!