Quando tenho febre sou tomada por uma sensação que encontra um correspondente lá atrás. Na infância, quando minha mal traçada caligrafia era problema, eu tinha um pânico característico quando a professora estava chegando ao fim da lousa. Ela, prestes a apagar a metade anterior, e eu, que ainda não havia terminado de copiar o que em breve seria não mais que pó de giz. Era uma sensação de “não vai dar, não vai dar”, acompanha de um gelado ruim nas têmporas.
O mesmo acontecia quando a professora decidia vistar os cadernos. Eu bem que preferia que meu nome estivesse no comecinho da chamada e ir logo para a degola. Mas tinha que esperar até o número vinte e poucos da lista para mostrar meus alfarrábios e receber o olhar da reprovação professoral. Zelar pela ordem e “limpeza” [essa era a palavra temida] nos cadernos nunca foi meu forte. Só nos cadernos.
O primeiro registro desse gelado foi quando meu irmão me disse, em 1985 ou 86, que, na próxima vez que o cometa Halley desses as caras na órbita terrestre, minha mãe não estaria mais por aqui. Eram férias de verão; estávamos numa casa alugada em Caraguatatuba. Minha reação foi agarrar a esquadria da janela bem forte e olhar a rodovia que, à noite, parecia um rio de lava. Lembro do nó na garganta e que encostei de leve o beiço no metal gelado da janela. Gelado como as têmporas. Foi pura maldade dele, eu acho.
Esse gelado me acompanha em situações que, a princípio, parecem insolúveis. E, não sei a razão, quando tenho febre, meu cérebro fica meio besta, e é como se eu estivesse diante da lousa que, inevitavelmente, vai virar pó branco de giz.
Gostaria de sentir pelo menos um arremedo desse gelado nas têmporas em relação a minha monografia. Seria um benefício.
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Um comentário:
andou com febre, glória g.? ou é só o trânsito da vida?
seu texto tem tanto você-na-sala-de-casa, você-no-ônibus-da-prefeitura., com todos os pormenores invísiveis que as histórias deixam escapar, feito pó de giz do quadro negro.
puxa, que saudade de o som da sua voz contando uma história...
estarei aí no dia 13 - ou antes, ou depois -, e por mais de dois dias.
te amo.
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