domingo, 1 de abril de 2007

Mono

Quando tenho febre sou tomada por uma sensação que encontra um correspondente lá atrás. Na infância, quando minha mal traçada caligrafia era problema, eu tinha um pânico característico quando a professora estava chegando ao fim da lousa. Ela, prestes a apagar a metade anterior, e eu, que ainda não havia terminado de copiar o que em breve seria não mais que pó de giz. Era uma sensação de “não vai dar, não vai dar”, acompanha de um gelado ruim nas têmporas.
O mesmo acontecia quando a professora decidia vistar os cadernos. Eu bem que preferia que meu nome estivesse no comecinho da chamada e ir logo para a degola. Mas tinha que esperar até o número vinte e poucos da lista para mostrar meus alfarrábios e receber o olhar da reprovação professoral. Zelar pela ordem e “limpeza” [essa era a palavra temida] nos cadernos nunca foi meu forte. Só nos cadernos.
O primeiro registro desse gelado foi quando meu irmão me disse, em 1985 ou 86, que, na próxima vez que o cometa Halley desses as caras na órbita terrestre, minha mãe não estaria mais por aqui. Eram férias de verão; estávamos numa casa alugada em Caraguatatuba. Minha reação foi agarrar a esquadria da janela bem forte e olhar a rodovia que, à noite, parecia um rio de lava. Lembro do nó na garganta e que encostei de leve o beiço no metal gelado da janela. Gelado como as têmporas. Foi pura maldade dele, eu acho.
Esse gelado me acompanha em situações que, a princípio, parecem insolúveis. E, não sei a razão, quando tenho febre, meu cérebro fica meio besta, e é como se eu estivesse diante da lousa que, inevitavelmente, vai virar pó branco de giz.
Gostaria de sentir pelo menos um arremedo desse gelado nas têmporas em relação a minha monografia. Seria um benefício.

Um comentário:

Anônimo disse...

andou com febre, glória g.? ou é só o trânsito da vida?
seu texto tem tanto você-na-sala-de-casa, você-no-ônibus-da-prefeitura., com todos os pormenores invísiveis que as histórias deixam escapar, feito pó de giz do quadro negro.
puxa, que saudade de o som da sua voz contando uma história...
estarei aí no dia 13 - ou antes, ou depois -, e por mais de dois dias.
te amo.