terça-feira, 30 de dezembro de 2008

December blues

Talvez, no dia eu que eu chegue a algum estágio mais avançado da evolução do que aquele em que me encontro, eu pare de ficar melancólica a cada final de ano. Já foi pior mas, ainda hoje, não consigo dar pulos de alegria nessa época do ano. Quando eu era criança, sentia angústia dessas que queima gelado nas têmporas só de imaginar que o tempo não pára e que um dia meus pais iam morrer e que, a cada ano passado, era tempo a menos.
Essa angústia atemorizante sumiu junto com uma série de outros medos infantis. Mas a melancoliazinha permanece. Quando chega dezembro e vejo os enfeites de Natal, já bate uma nostalgia misturada com um sentimento de gratidão por poder viver. É difícil explicar.


Quem me acode à cabeça e ao coração
neste fim de ano, entre alegria e dor?
Que sonho, que mistério, que oração?
Amor.
(Drummond, dezembro de 1985)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

É a vida

Hoje faz dois anos que, durante a madrugada, meu tio ligou de São Paulo para avisar que minha avó Irene tinha falecido. Morreu quietinha e magrinha feito um passarinho doente, sem jamais ter reclamado. Sinto saudades dela, mas sua ausência não me deixa mais triste.
Hoje de manhã soube que, ontem à noite, o pai de um amigo querido morreu inesperadamente.
A minha bisavó Clara Maria, que tinha uma frase para cada situação, dizia: "a morte sempre deixa uma desculpa". E, quando a morte não era dos seus, saía com essa: "a morte é triste para quem vai porque, quem cá fica, cá se arranja".
É a única certeza dessa vida, mas é sempre difícil.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Seo Natal

A amiga Dani, que mora lá no Hemisfério Norte, teve um tal de Natal Nascimento entre seus recenseados no censo de 2000. Estávamos no primeiro ano de jornalismo na UEL, e contar pessoas em Londrina era uma opção bem viável para descolar algum. O seo Natal entrou para nossa estatística informal de nomes pitorescos dada a redundância.
Muitos anos antes, na infância de Araraquara, achei numa caixa de recuerdos um telegrama que meu avó pernambucano, que morava na Bahia e hoje habita o mundo espiritual, me mandou no meu aniversário de um aninho. Em linguagem econômica, o vô me felicitava pelo meu primeiro natalício na infância de São Paulo. Aí descobri que a palavra natal tem a ver com nascimento e fez todo sentido o Dia de Natal celebrar o nascimento do Menino Jesus.
Hoje, percebo que se comemora muito mais o encontro com parentes queridos do que o nascimento de Jesus neste dia. [para não falar que o espaço do Menino é bem menor do que o do velho barbudo] De certo modo, encontrar os nossos e estar em contato com as origens é uma forma de renascer um pouquinho. Somos todos filhos do mesmo Pai.

***
Tudo é mais fácil quando procuramos ver o lado cômico das situações. Num final de tarde, há mais de 20 anos, eu levei um tombaço na vila em que morava em São Paulo. Com a jardineirinha azul do uniforme do Colégio Santana e botas ortopédicas, fiquei estatelada no asfalto e abri o berreiro. Nada mais natural.
Inesperadamente, uns molecões da rua, que geralmente atazanavam a minha paciência e das outras meninas, largaram o jogo de bola vieram me socorrer. Cada um segurou num braço e perna meu e, imitando o “ióóóóó-ióóóó” de ambulância, me carregaram até minha casa.
De drama infantil o tombo virou comédia, e quase perdi o ar na transição entre o choro e a gargalhada incontrolável. Ganhei um ralado no queixo e uma recordação boa.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Pró labore


Uma das coisas que gosto na vida de repórter é poder entrar, autorizadamente, na casa das pessoas e fazer muitas perguntas. Agora no fim do ano, quando estamos preparando um gavetório¹ para as edições pós Natal e pós Reveillon, tenho a oportunidade de fazer algumas matérias frias que me permitem encontrar alguns personagens raros. Ontem fui à casa de uma senhora de 94 anos e bati um bom papo com ela. O porquê de a vovozinha ser notícia deixo para as edições vindouras do jornal.
O layout da senhorinha é o mesmo da dona Dita, a avó do Chico Bento. Com a diferença que a minha personagem é uma negra retinta do cabelo de algodão. Abstive-me no jornal, mas aqui eu posso dizer: ela tem uma barbicha igualmente algodoada. Não pensem que sou cruel, o adorno foi destacado por uma das filhas da senhorinha, que colocou o “fazer a barba” junto com “fazer as unhas” nos hábitos de beleza recém adquiridos pela vovó. Na verdade, ela começou a ir à manicure há oito anos, mas para quem já viveu 94, é um tempo recente. Na verdade, na verdade mesmo, ela não vai a manicure – é a moça que vai a casa da vovó, onde existem seis pares de mãos ávidos por cuidado. Na verdade e em última instância, ela começou a pintar as unhas só depois de concluir que, afinal, não era coisa de biscate, como ela pensou por décadas.
Sem dentes, a senhorinha ri de dar gosto. Ri e fica séria quando conta que o marido, na noite de 1969 em que morreu, foi à zona de meretrício. Mas voltou pra casa e morreu com a cabeça encostada no ombro direito da velha. [por favor, imaginem a versão negra da dona Dita batendo a mão no ombro direito] Só podia morrer mesmo do coração um homem desses.
Ri e faz cara de respeito quando conta que o pai enviuvou cinco vezes e que, aos 90, enterrou a mãe dela que contava com apenas 36 anos. Ri quando conta que toda tarde senta no banco da calçada com a vizinha para ver se ela está viva. Fica séria mesmo quando lembra que aprendeu o puçá com a avó que morreu aos 125. A cara fechada é pela rigorosidade da centenária ou por medo de viver tanto?
Por uma horinha, tive a honra de estar diante de um personagem do realismo fantástico de García Márquez. Mas recusei o café para não ficar presa na casa para sempre.


¹ conjunto de matérias de gaveta, neologismo by myself

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Como areia entre os dedos

Tenho idéias de posts que vem em momentos impróprios para a escrita. Na hora de dormir ou durante o banho, por exemplo. Mas esses ocorridos são mais raros do que outros pequenos acontecidos que, de tão diminutos, não ouso chamar de momentos. É quando, durante o trabalho, conversa no bar ou um filme no cinema surge um fragmento, uma idéia. Mais com cara de aparte, comentário, do que de texto encorpado.
É mais uma idéia sobre como dizer as coisas do que o que dizer.
Uma sugestão de forma. E visualizo como ficaria na página, os três asteriscos que separariam o texto principal de um adendozinho de três linhas.
A sugestão pode ser estimulada pelo olhar, uma sensação, uma frase ou comentário desses que não é com a gente, mas que a gente escuta e toma nota mental.
Quando isso acontece, sou feliz. Prometo a mim mesma que vou escrever e postar. E que será o início de uma profícua série no meu blog.
Mas, na grandissíssima maioria das ocorrências, essas pequenas epifanias fenecem. Letras mortas. Natimortas e inférteis.
Tudo isso, querido leitor, para dizer que lamento e sinto muitíssimo que este blog seja tão desatualizado. É realmente um desaforo.
E, para me justificar: já fui muito melhor com a escrita não jornalística. Houve um tempo em que trocava cartas com amigos de internet, depois passei a trocar cartas com os amigos de Araraquara e, ultimamente, e-mails longuíssimos com amigos queridos. Mas os e-mails rarearam, eu sei, e o mesmo mal acometeu este blog.

Acho que ainda tem jeito.

***
Pequenas Epifanias é o nome de um ótimo livro de crônicas que li nove anos atrás, do Caio Fernando Abreu. Jornalista gaúcho que trabalhava no Estadão, homossexual assumido e que morreu de Aids em 1996. Altamente recomendável.